O Alfarrabista

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Normalidade? (em 15/05/16).

IMAGEM 1906 - CURVA NORMAL OU GAUSSIANA - O BLOG DO MESTRE

As coisas parecem voltar à “normalidade”. Vejo uma turba respirar “aliviada” com a saída de Dilma e com a entrada de Temer.

Vejo gente começar as se “tranquilizar” com as falas de Temer e de Henrique Meirelles. Ok. Entendo.

Parece uma reação psicológica natural e aceitável, afinal, realmente a coisa estava tão ruim que qualquer sopro de vento já traz um alento e no excesso da comunicação errática e pobre da presidente Dilma (que não está absolvida de seus pecados reais, a saber, mentir para o povo e ser incompetente) ver um grupo de “profissionais organizados”, o que não é necessariamente um elogio, ao contrário do que ela sempre fez, falando e entregando mensagens mais ou menos claras ao país.

O que a turma não percebeu é que essa é a mini, super-mini campanha eleitoral de Temer.

É preciso fazer campanha afinal de contas. Mesmo quando não se ganha uma eleição, quando se conspira e golpeia um aliado e toma o seu lugar com a ajuda da constituição.

O golpe perfeito é aquele travestido de normalidade.

Temer estava fazendo campanha no seu primeiro pronunciamento assim como Meirelles. Usaram as palavras certas (como Dilma também fez na dela para convencer o povão e deu no que deu). Mas, o novo governo terá pouco tempo para começar a agir e agirão rápido e como me referi acima, para o bem ou para o mal, são “profissionais”.

Não esqueçamos, até porque já vimos esse filme. Depois da campanha é que vem a realidade.

A questão é: o que se apresenta como normalidade? Normal para quem? E desde quando ser normal é bom? Me perguntaram se eu quero ser normal?

Para começar, “Normalidade” não tem ligação com espectro político. Não tem relação com direita ou esquerda, com PMDB ou PT (irmãos siameses por 13 anos).

Normalidade, para mim, um comum mortal, tem que ter uma ligação REAL com estabilidade institucional.

Esqueça por um momento a constituição – só por um momento –  e use o bom senso, porque nossa constituição tem ultimamente apresentado mais dificuldades do que remédios para nossos dilemas, tente entender o que eu estou falando, sem paixões exacerbadas e pondere o que está em curso antes de dar vivas ao nosso glorioso direito positivo engessado!

Não esqueçam, o “nosso presidente”, um constitucionalista, chamou a Constituição de “livrinho”… “Não vou fazer nada fora do livrinho”. Não sei se é para rir ou para chorar.

Vejamos então, para não nos esgotarmos, apenas três exemplos representativos do que se trata a nossa “normalidade” atual: Um da normalidade do executivo, um da normalidade do legislativo outro, duas breves notinhas sobre a normalidade do judiciário.

1 – No Executivo: Temer é um presidente interino com um mandato de 180 dias. Dilma continua em Brasília depois de ter sido afastada do cargo em um processo de impeachment para lá de duvidoso. Vai ficar em seu bunker, com praticamente todas as regalias presidenciais preparando a oposição. Vamos ver se pelo menos de volta ao papel de “revolucionária” ela consegue articular alguma coisa.

Na falta de um presidente temos 2.

O Ministério era para ser de notáveis (aparentemente para Temer, mulheres não podem ser incluídas nessa categoria, afinal ele prefere as “belas, recatadas e do lar).

Esse Ministério era para ser reformado (sinônimo de reduzido parece). Uma reforma ministerial é necessária afinal de contas. Temer, em idas e vindas, acabou não reduzindo quase não reduzindo nada. Pressionado, finalmente acabou cedendo e reduzindo alguns ministérios, para brasileiro ver.

Todo mundo sabe que essa redução (necessária) é mais simbólica que efetiva e que a parada dura mesmo é o corte dos cargos comissionados.

Aí que a porca torce o rabo, porque se tem um partido que vive endogenamente de cargos é o PMDB, sobretudo nos segundos, terceiros, quartos e quintos escalões.

Abandonados os notáveis, partiu-se para uma composição mais “pragmática” (palavra mágica que no linguajar político brasileiro significa um “arranjo” não necessariamente “meritocrático”) onde se visou apoio político e maioria parlamentar.

Resultado: Dos nomeados 12 ministros receberam doações de empresas investigadas pela Operação lava-jato e dentre os ministérios extintos ou absorvidos está o Ministério da Cultura. Afinal, cultura para quê? Totalmente dispensável, não é?

Essa situação soa normal para você?

2 – No Legislativo: Eduardo Cunha teve o seu mandato suspenso (não cassado) e naturalmente ficou afastado da presidência da Câmara dos Deputados pelo STF e continua em Brasília com todas as regalias.

Em seu lugar temos o Waldir Maranhão. Que como Nero, em Roma, quase colocou fogo em Brasília com sua tentativa de parar o processo de Dilma e fazê-lo voltar para a Câmara, após aprovação de relatório da comissão especial, votação em plenário e encaminhamento para o Congresso e no um dia antes da votação do mesmo no Senado.

Continua presidente, e disse que não renuncia, no ritmo do daqui não saio, daqui ninguém me tira. Por que renunciaria? Afinal, é o herdeiro do cargo, assim nos diz a constituição e o regimento interno da Câmara. É mais presidente do que nunca.

Assim, na falta de um presidente da Câmara, hoje temos 2, pelo menos até fevereiro de 2017 ceteris paribus, o que no Brasil de hoje é condição quase impossível (aliás é uma condição que só funciona bem nas modelagens traquinas dos Chicago boys).

Essa situação soa normal para você?

3 – No Judiciário: O Ministro Gilmar Mendes, agora no TCU, suspendeu a investigação sobre Aécio Neves sobre o suposto esquema de propina em FURNAS alegando que não há novos elementos que justifiquem a abertura do inquérito (http://brasil.elpais.com/brasil/2016/05/13/politica/1463094618_198134.html).

Muito providencial essa decisão, não é?

E pelo menos, estranha.

Por outro lado, o Juiz Sérgio Moro, em palestra na Universidade de Maringá declarou que “Nós temos que tratar essas questões com racionalidade e sem rancor ou ódio no coração”. Heroísmo à parte. Considero seu trabalho sério até o limite do fator humano – que atua até sobre ele, por mais super-homem que ele pareça. Mas é uma declaração vazia.

O que eu queria ouvir era que agora o pau que deu em Chico ia continuar dando em Francisco.

Mas em sequência ele declara: “”Devemos continuar sendo intolerantes em relação a esses esquemas de corrupção sistêmica, não para dirigir rancor ou ódio a pessoas que eventualmente recaiam na tentação de cometer esse tipo de crime, mas no sentido de nós atuarmos para a resolução desse problema e que eles não voltem a acontecer” (http://g1.globo.com/pr/norte-noroeste/noticia/2016/05/moro-diz-que-e-preciso-nao-ter-odio-no-coracao-sobre-momento-politico.html).

Eles não voltem a acontecer?

Uma construção verbal no passado Sr. Moro?

Continuam acontecendo Sr. Moro e continuarão…

Tudo continua como antes, meu querido magistrado.

O que é isso? Medo de sangue nas ruas?

Ou já se começa a construir a narrativa de que afastada Dilma e o PT todos os nossos problemas se acabaram?

Será que começou a tão temida pisada no freio das investigações???

Essa situação soa normal para você?

Como cidadão apartidário, contribuinte e trabalhador, me sinto à deriva.

Tudo muito estranho…

Encerro, então, com um pouco de cultura (primeira coisa que os tiranos tentam tirar dos povos) citando os versos de Raul Seixas em “Maluco Beleza”:

Enquanto você
Se esforça pra ser
Um sujeito normal
E fazer tudo igual
Eu do meu lado
Aprendendo a ser louco
Um maluco total
Na loucura real

Controlando
A minha maluquez
Misturada
Com minha lucidez
Vou ficar
Ficar com certeza
Maluco beleza
Eu vou ficar
Ficar com certeza
Maluco beleza

Para mim, como nada disso parece normal.

Por isso, prefiro controlar a minha maluquez misturada com minha lucidez e ver onde isso vai dar, sendo que, em minha maluquez, espero que possa dar certo, sabendo, em minha lucidez, que como bem dizem os americanos, “não existe almoço grátis” e que já está definido quem pagará a conta: NÓS!

(Em 15/05/16)

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