A briga pelas ruas I – Mortadelas x Coxinhas e o poder de mobilização (em 02/06/16).
Tenho observado com atenção a crescente mobilização de parcela da população e sua ida para as ruas e constatado a diferença entre o movimento que acontece hoje e o que aconteceu nos meses passados.
Essas mobilizações – que eu vou chamar de “briga pelas ruas” – não é uma questão política secundária e precisa ser acompanhada de perto, por tudo que representa e pelo seu potencial explosivo, atém mesmo porque normalmente, em uma democracia (justamente o que está sendo posto em risco) quem ganha nas ruas ganha no Congresso.
Retomo um texto do dia 31/03/16 não publicado para começar a trazer alguns elementos para essa tentativa de análise. Eu o intitulei originalmente de “MORTADELAS x COXINHAS”.
Creio que serve de ponto inicial para o que pretendo expor em próximos posts.
Eis ai a íntegra do texto:
Há uma máxima em estratégia que podemos aplicar tanto na política como nos negócios segundo a qual deve-se evitar ao máximo travar uma batalha no campo do inimigo, ou seja, no local onde ele é mais forte e se sente mais confortável, já que a chance de ter problemas e de derrota aumentam.
Isso só se faz quando é estreitamente necessário. As forças oposicionistas ao PT e ao governo Dilma desprezaram essa máxima quando tentaram mobilizar as ruas em prol de sua agenda política.
Os opositores do governo não tiveram a sensibilidade de ler os “sinais” das ruas desde o início dos protestos populares em 2013 por estarem desconectados há tempos da realidade brasileira e quiseram crer que as manifestações eram essencialmente contra o governo Dilma.
De fato, o descontentamento se cristalizava em ataques ao governo, mas até então estavam ainda muito mais focados nos governos estaduais que no governo federal.
O que os oposicionistas não perceberam é que, no fundo, essas manifestações, que tiveram por gatilho a contestações do aumento nas tarifas de transporte público, era uma manifestação oriunda de uma demanda econômica e não política.
Uma análise a partir de uma sintonia mais fina nos leva a uma conclusão que elas representaram no campo político uma manifestação do descontentamento contra o sistema político como um todo. Não havia nada de partidário ali. Era o povo brasileiro descontente com o estado de coisas e com o sistema político e que buscava um “culpado” para seu sofrimento,
Rapidamente os grupos oposicionistas ao PT e ao governo percebendo o crescimento vertiginoso das manifestações que logo ganharam dimensões nacionais trataram de tentar capitalizá-la em favor de sua agenda de modo a redirecionar essas forças a partir da criação de uma narrativa que confundia o propósito original e espontâneo das manifestações com uma oposição ao governo federal – à Dilma e ao PT.
Tomando carona nesse movimento popular espontâneo, a oposição buscou então preencher um vácuo deixado negligentemente pelo PT após ter se tornado governo – a presença nas ruas – local onde, por sua vez, os oposicionistas nunca tiveram uma presença real.
A oposição, assim, conseguiu capitalizar essas forças diante de uma Dilma apática (ou arrogante) e logo se proliferaram as manifestações domingueiras e verde amarelas de grupos que começaram a se organizar a partir de redes sociais que acabaram rotulados por seus “rivais” como “coxinhas”.
Vale uma nota. Esse grupo mobilizado pela oposição, é majoritariamente de classe média, com tudo ela pode representar no Brasil.
Não possui uma tradição de militância política – creio até nunca ter se importado muito com esse tema até então – e está claramente nesse movimento movida por paixões contraditórias que flutuam desde a defesa da democracia até a defesa da volta do regime militar. A sua insatisfação real é de base econômica. A crise econômica e seus efeitos é o grande consenso que os une e os levaram às ruas.
Assim, o resumo da ópera é o seguinte: grupos políticos historicamente apegados ao poder no Brasil e acostumados a ser governo estavam tentando ser oposição via mobilização popular e um governo dito popular estava desprezando o poder das ruas e preocupado com intrigas palacianas e com o balcão de negócios do Congresso Nacional. Papéis trocados. Sinais trocados.
Outra máxima em estratégia, essa encontrada no Sun Tzu, completamente desconsiderada pelas forças oposicionistas do governo Dilma (que não esqueçamos, atuou em organizações clandestinas de guerrilha) segundo a qual quando se cerca um inimigo, deve-se deixar uma saída para ele, caso contrário, ele lutará a morte.
Pois bem, os avanços da oposição foram implacáveis desde o início do segundo mandato de Dilma. Contestação do resultado das eleições, bloqueios, manobras, pautas bomba, processo no TSE, pedidos de impeachment. Esses avanços encontraram seu ápice na condução coercitiva de Lula.
Vamos nos deter nesse ponto por um instante: Nesse movimento a turma da oposição, e aqui, incluo o juiz Moro, sem medo de errar, deu o primeiro passo em falso.
Como ficou claro na interessante fala de Lula, logo após sua liberação, já sabendo que depois da condução coercitiva o que lhe esperava era um pedido de prisão preventiva, declarou que a “jararaca não estava morta” e que o PT e as “esquerdas” estavam muito quietas e que ele voltaria a mobilizar a sua turma (a militância e os movimentos sociais) para voltar às ruas.
Adicionando-se a isso a sua declaração de que ele era “o único homem capaz de incendiar o Brasil” – o que parece ser verdade dada influência que exerce sobre seus seguidores e setores políticos – tivemos então declarada a guerra.
Em seguida, Lula é nomeado Ministro e em consequência vieram os vazamentos do juiz Moro, golpe poderosíssimo, quase devastador desferido sobre Lula, Dilma, PT e sua estratégia de sobrevivência.
Entretanto, ao colocar gasolina na fogueira, Moro demonstrou uma certa ansiedade e inexperiência. Ele pensou que poderia, naquele momento acabar a guerra com um só golpe e usou a arma mais forte que achava que tinha à mão (nesse ponto a legalidade de sua ação é só um detalhe).
Apesar da comoção nacional e do falatório da oposição consequentes do vazamento, das liminares impedindo Lula de assumir e da corrida na Câmara para acelerar o processo de impeachment desencadeados por sua ação, esse movimento acabou se demonstrando outro passo em falso do juiz, dado que demonstrou clara e publicamente sua agenda política anti-Lula – após o vazamento, quem tinha dúvida passou a ter certeza – o que obviamente também foi uma declaração de guerra.
O que Moro conseguiu com isso? Ganhou um inimigo poderoso. Não é bom ser inimigo de Lula. Ao mesmo tempo se indispôs com o STF, outro inimigo poderoso, que, na pessoa do Ministro Teori Zavascki, foi lembrado que juiz não causa problemas, mas os resolve , ainda mais quando se é um juiz de primeira instância.
A prova de seu desgaste está no fato de que desde o início da lava-jato foi a primeira vez que Moro teve que se desculpar publicamente, e logo ao STF. Moro empalideceu.
A precipitação da oposição continuou com o pedido de prisão preventiva de Lula pelo MP de SP que logo foi enviado pela juíza paulista responsável em analisar o mérito para a vara de origem, a de Curitiba, ou seja, para Moro.
Esse movimento também acabou não dando em nada, pois que a decisão do STF já estava sinaliza no sentido de solicitar para sua jurisdição todo o processo referente a Lula.
Isso significa, que, agora, para dar sequência à lava-jato Moro vai ter que abrir outras frentes dado que Lula está fora de seu alcance.
Essa etapa vigorosa do ataque do grupo oposicionista ao governo culminou com as manifestações verde amarelas do dia 13/03 que foram grandes e significativas e impressionaram mais seus patrocinadores que o governo.
Toda essa investida supracitada da oposição, contrariou o que nos ensina Sun Tzu, pois ao não dar uma saída para seus inimigos, ou seja, o governo, Dilma, o PT e Lula, a oposição cometeu um erro grave – sobretudo quando se trata de política – ao não deixar nenhuma alternativa a seus rivais a não ser a luta pela sobrevivência.
Dilma passa a ter que lutar abertamente contra sua deposição, Lula para não ir para cadeia e o PT para não ser destruído. A partir desses eventos a política deixou de ser política e a guerra se tornou aberta dado que não parece haver mais a possibilidade de compromisso.
E aqui, a oposição de repente se viu lutando no campo do seu inimigo: as ruas.
Apesar da grandiosidade das manifestações oposicionistas do dia 13/03 sabe-se que as ruas não são o forte nem do grupo político opositor nem de seus apoiadores.
A manipulação dessas massas, que não é coesa, que não compartilha a agenda dessas lideranças políticas e que só estão unidas pelo descontentamento oriundo da crise econômica e da qual não se pode esperar grandes arroubos ideológicos.
Portanto, a base de sustentação popular da oposição para uma luta de longa duração é muito frágil.
Por outro lado, isso forcou uma resposta também nas ruas por parte das forças do governo, PT e Lula. Que colocaram o bloco na rua. Esses sim, acostumados com isso, e agora de volta ao seu elemento natural.
A turma da “mortadela” está acostumada com as ruas, estão acostumados a se opor (agora uma oposição à oposição). Muitos são jovens, que costumam ter muito mais folego e tempo para manifestações mais longas e muitos viveram ou vivem há anos em acampamentos e barracas e, portanto, têm muito mais fôlego e motivação para essa briga. Além de tudo, muitos são financiados para isso. Somando-se a estes vemos começar a se articular o apoio ao governo de artistas, juristas e intelectuais.
Assim, resposta governista que veio no dia 18/03, foi a altura. Demonstrou apoio popular significativo ao governo e explicitou a divisão do país a despeito de qualquer pesquisa de popularidade de Dilma. Fator preocupante para qualquer político de oposição.
O PMDB ao desembarcar do governo, comete um outro erro estratégico dado que daqui para frente vai depender somente de manobras, do balcão de negócios no congresso e das intrigas palacianas para dar andamento ao seu projeto político: a tomada do poder.
Estão longe de encontrar consenso dentro de suas próprias fileiras e enquanto isso, as manifestações pró-Dilma de 31/03 demonstraram a capilaridade do governo em todos os estados e no DF sendo uma forma do governo de fazer frente às pesquisas de índices de aprovação mostrando que tem uma base social para se contrapor ao processo de impeachment.
Não há inocentes nesse jogo. Mas parece que a oposição tem pressa, mais pressa que o governo que se encontra encurralado. E como a pressa é inimiga da perfeição, a oposição, nessa precipitação vai deixando um rastro de fios soltos e um governo que estava caindo de maduro e cairia por inércia ganhou uma chance de sobreviver. A briga está longe do final, o jogo é de soma zero e o resultado está totalmente em aberto!
Para um contexto histórico leia o artigo https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/coxinha-vs-mortadela.phtml
(Imagem https://aventurasnahistoria.uol.com.br/)
(Em 31/03/16)