O Alfarrabista

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O ódio brasileiro (em 03/04/16).

Ódio tem sido uma palavra recorrente no Brasil dos últimos tempos, tanto na grande mídia, como na boca dos políticos e perigosamente nas redes sociais.

Esse contexto de ódio não é surpreendente, por mais que se diga o contrário. Humanos são criaturas odientas. A História prova isso. Não quero ter a pretensão de explicar por que somos assim, mas é claro que a paz e entendimento não são regras no relacionamento humano, em todos os seus níveis, muito ao contrário.

O interessante aqui seria tentar, observando o discurso assumido nos mais diversos ambientes sociais brasileiros, identificar as origens dessa onda de ódio que vivemos.

Há uma tendência natural (e podemos considerar até biológica) do ser humano em buscar o bem-estar, ou seja, fugir da dor ou do sofrimento – para isso, a partir de uma análise muito elementar –  ele precisa suprir as suas necessidades mais essenciais – a de se alimentar, a de encontrar abrigo (proteção e descanso) e a de se reproduzir (impulso sexual) – daqui podemos derivar todos os outros mecanismos que nos fazem como tal, humanos.

Essa busca de bem-estar e a fuga do sofrimento, em outros termos pode ser descrita como a necessidade de sobrevivência, preservação e perpetuação da espécie.

Essa necessidade de sobreviver ou de buscar bem-estar ou de fugir do sofrimento não pode ser realizada a não ser por meio da busca e aquisição dos bens necessários para que elas se realizem e a possibilidade da sua não realização gera medo no ser humano – o medo de viver.

O medo de não ter suas necessidades atendidas, por sua vez, gera ansiedade, pois que, estando à mercê dos acontecimentos, das intempéries, das carências, enfermidades e dos conflitos nos tornamos angustiados – isso é, a angústia de viver.

Assim, viver diante da incerteza – por mais que creiamos viver em um mundo previsível e organizado – nos dá medo, nos torna ansiosos, e essa ansiedade, que nos deixa em constante estado de alerta, nos leva à angústia.

Por isso somos tão suscetíveis ao que se comumente tem se chamado de expectativas. Essas expectativas reais ou não, fabricadas ou percebidas acabam moldando nossas percepções, comportamentos, emoções e ações.

Com relação às expectativas devemos ressaltar um outro mecanismo: Humanos de maneira geral tendem, em nível psicológico, a superestimar suas expectativas, ou seja, tendem a ser otimistas e a crer que suas expectativas se realizarão de modo a proporcionar o alcance de seu bem-estar e da minimização de seu sofrimento. O fato é que quase nunca, no mundo real, há um alinhamento adequado de suas expectativas com a realidade.

Essa diferença entre o que achamos (ou planejamos) que irá/iria acontecer e o que de fato acontece se chama frustração, outro elemento angustiante.

Autocentrados que somos, ao vermos nossas expectativas não realizadas, e ao nos sentirmos frustrados e angustiados tendemos a buscar respostas pelo erro de cálculo.

Outra característica humana comum: quase sempre buscamos a respostas para não realização de nossas expectativas em causas “externas” ou em causas “outras” que não a nossa própria incompetência em ajustar o que pensamos ou desejamos com o que efetivamente nos está colocado pela realidade.

Ao encontrarmos razões outras fora de nós mesmos, ao encontrarmos “culpados” direcionamos toda a nossa frustração e angústia para aquilo que consideramos a causa do nosso sofrimento.

Aqui está aberta a porta para o ódio, consequência de um estágio extremo de angústia e frustração.

Essa seria uma forma simples de explicar o que estamos passando no Brasil. E aqui temos três culpados:

1 – Nós mesmos que não nos preparamos para o pior e acreditamos na promessa que nos foram vendidas segundo as quais dessa vez tudo daria certo e que o Brasil realmente havia superado suas contradições internas e que entraríamos em uma onda de crescimento e de prosperidade.

Superestimamos nossas expectativas e ao fazer isso fechamos os olhos e fomos coniventes com todos os desmandos que estavam sendo realizados na política e na economia da nação.

Nos esquecemos que votamos em quem votamos e que não votamos em quem não votamos.

2 – O atual governo criou uma narrativa mentirosa que fez com que todos acreditassem que os problemas haviam acabado sem de fato atacar as questões que eram fundamentais para consolidar o que de bom havia sido feito e lançar bases para um desenvolvimento realmente duradouro.

Um governo proposto a fazer “tudo diferente” e a “reformar o estado de coisas” postergou questões que vêm sido postergadas desde sempre simplesmente porque não tem condições de fazer nada dentro desse sistema político falido.

Independente de viés ideológico, há inflação e desemprego que não podem ser imputados exclusivamente à crise internacional. Existem problemas estruturais sérios. A previdência social, por mais necessária que seja está rumando para o precipício à galope.

Os juros estratosféricos não beneficiam a ninguém além dos bancos e do mercado financeiro que drenam a riqueza do país. O mercado financeiro é fundamental em nosso sistema, mas não podem ser vampiros e sim agentes de fomento de atividades econômicas reais que gerem infraestrutura, emprego e renda.

Fomos verdadeiramente enganados. A contenção dos preços e tarifas foi uma ação no mínimo temerária e manipuladora. A campanha eleitoral de Dilma foi criminosa. Todos nos sentimos enganados, sejamos mortadelas ou coxinhas.

3 – O atual grupo oposicionista de maneira muito oportunista fomenta desde janeiro de 2015 o discurso de “terra arrasada”, sem compromisso nenhum com o país ou com as pessoas, exacerbando a frustração e angústia que já são naturalmente captadas a partir do descrito nos pontos 1 e 2.

Manipulando esses sentimentos amplifica toda essa angústia da massa e dá vazão para a contrapartida do ódio, a violência.

Aqui encontramos o motivo real do recrudescimento do discurso, do aumento de manifestações violentas, polarizadas e radicalizadas, pois é natural nesse processo a “demonização” do outro, a radicalização das posições, que do nível do discurso e do universo virtual, estão a um passo de materialização nas ruas.

É preciso reconhecer a responsabilidade de todos nós. Nós não podemos culpar os “outros” pelas nossas mazelas. Nós somos o Brasil. O sistema político em vigência não é novo. Está aí desde pelo menos 1988.

Todos sabemos como as questões são resolvidas no Brasil, quais tipos de acordos e tratativas são feitos, por quem são feitos em prol de quem e com qual objetivo. Apenas fingimos não ser parte disso e nos achamos no direito de radicalizar o discurso e hostilizar pessoas que pensam diferente de nós assumindo um lado.

Esse é o estado natural do ser humano. Precisamos reverter isso no Brasil se não quisermos ver sangue nas calçadas. Um primeiro passo deveria ser um reconhecimento generalizado, nacional de que todos somos culpados por esse Brasil que está aí diante de nós e que não existirão heróis ou soluções mágicas para nossos problemas.

A única expectativa real diante de nós é que estamos diante de uma crise séria, longa, e que se quisermos resolvê-la cada um de nós deve dar sua contribuição, que compromissos serão necessários, reformas que ninguém quer fazer deverão ser feitas pelo bem de todos.

A única garantia que temos é a de muito trabalho pela frente caso queiramos deixar um país menos ruim para nossos filhos e netos.

(Em 03/04/16)

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