O Alfarrabista

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Arthur… (em 11/07/2017)

Nir

Eu tenho a felicidade e o privilégio de ser o pai de um Arthur. O meu Arthur. Dei a ele um nome de um rei.  Ele completou 17 anos de vida na semana passada. Eu me lembro de tudo. Da gravidez, do dia em que ele nasceu,da mãe me acordando de madrugada com as primeiras dores do parto, da bolsa estourando, da ida para a maternidade, de eu na recepção esperando notícias, do médico chegando e me dizendo que tinha dado tudo certo e que eu já poderia ir ver meu filho no berçário. E assim foi.

O meu Arthur é um garoto legal, sempre foi. Acompanhei as suas febres e resfriados, acompanhei a bênção que ele representou para o desenvolvimento do meu filho do meio, o Dudu, que é especial (em todos os sentidos!). Acompanhei seus desenhos, sua paixão pelos carros de corridas. Ajudei na sua coleção de Hot Wheels, vi sua ida para a escola, sua voz engrossar, a primeira namoradinha e a sua paixão atual, o futebol, e a ansiedade para que os 18 anos cheguem logo para poder dirigir.

O meu Arthur é um adolescente engraçadamente chato, como todos os outros. O meu Arthur, esse ano, está terminando o Ensino Médio, está até certo ponto preocupado com o ENEM, esse evento, que aflige os pais, e enfrenta com leveza a espinhosa questão “o que você vai ser quando crescer?”

Eu me preocupo com o que o meu Arthur vai ser quando crescer, sobretudo por ele ser um jovem que vive no Brasil em 2017.

A minha questão é: Em que o meu Arthur é melhor que o Arthur dos outros?

A resposta é, e tem que ser: Em nada!

Ele é o meu Arthur, mas ele é só um Arthur dentre muitos outros. E se escrevinho sobre ele é porque ando angustiado diante de dois fatos tristemente repugnantes que envolveram o Arthur de dois outros pais e mães, que de maneira nenhuma são menos importantes que o meu, e que expõem a doença de que está acometida a nossa sociedade, da qual a maioria de nos se aliena, anestesiados e embrutecidos que estamos diante do estado de coisas nacional.

O primeiro Arthur a que me refiro, é o Arthur da Claudineia, um bebê de nove meses que foi baleado na barriga da mãe, em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro no dia 30/06/2017. Ele estava prontinho para nascer. A data do parto estava marcada. Mas sua mãe foi atingida por uma “bala perdida” enquanto ia ao mercado em decorrência de um confronto armado entre policiais e criminosos (que coisa banal não?!).

A bala perfurou a pelve da mãe e atingindo seu útero atingiu o Arthur, lesionando sua espinha dorsal, perfurando seu pulmão e ferindo sua orelha. Claudineia e Arthur foram socorridos e ele em estado gravíssimo, podendo ficar paraplégico, se recupera, segue lutando pela vida. Minhas preces e pensamentos positivos para o pequenino Arthur e sua família.

O segundo Arthur, é o da Flávia, também um bebê que estava na barriga da sua mãe com três meses de idade. O Arthur da Flávia, não teve a mesma “sorte” do meu Arthur e do Arthur da Claudineia. O Arthur da Flávia, não teve nem a oportunidade de lutar. Flávia, o esposo e o enteado, voltavam para casa depois de uma festa julina no dia 07/07/2017 quando foram assaltados.

O modus operandi dos criminosos (nossos concidadãos) foi ao estilo GTA, sim, o jogo de vídeo game. Eles tão e simplesmente atropelaram a família como forma de rendê-los e realizar o assalto. Flávia, o marido e o enteado foram assaltados e Flávia devido ao impacto, à queda, ao trauma perdeu o seu bebê. Perdeu o seu Arthur. O Arthur da Flávia não teve a mínima chance. Minhas preces e meus pensamentos com eles nesse momento tenebroso.

Não me atreverei, por vergonha, a continuar relatando os outros casos DESSA SEMANA de crianças atingidas, feridas e mortas por “balas perdidas”, mas que são compradas, pagas e vendidas e quase nunca achadas.

A mim me resta registrar meu gemido escrito para que a memória dessas vítimas permaneça, para nossa ignomínia, e para que haja algum tipo de consolo e conforto para suas famílias, já que demandar “justiça” parece algo tão utópico aqui em Terra Brasilis e, por mais que eu creia na justiça de Deus, sei que ela não é palpável, dado que é dependente de fé, e não pode ser imposta. Sei que, por mais que possa apresentar um consolo individual imediato, não pode ser apresentada como argumento válido para um consolo social.

O que poso dizer?

Estamos doentes, individual e coletivamente. Estamos diante de uma sociopatia coletiva que tentarei demonstrar brevemente, embora me sinta estar chovendo no molhado:

1 – A causa da tragédia do Arthur da Claudineia está na guerra urbana que vivemos. Em qualquer lugar do mundo, cenas e áudios como os que escutamos quase diariamente vinculados na grande mídia e nas redes sociais que com indulgência, chamando de “violência urbana” consequentes dos confrontos armados entre policiais e criminosos, entre criminosos e criminosos ou o que quer que o valha, não só no Rio de Janeiro, mas Brasil afora, em qualquer outro lugar seria tratado como cenas de guerra. É uma guerra, onde a expressão “violência urbana” não passa de eufemismo para o massacre, para esse “todos contra todos”.

O Arthur ser baleado na barriga da mãe é a consequência e não a causa do problema. Mas ele é que virou o ciclo de notícias da semana dado que “confrontos” já nem merecem notas. Onde estão as investigações sobre esses “confrontos” sobre esse armamento de guerra que roda por aí a torto e a direito? Afinal, só sabe o que é o tiro de um fuzil calibre 7,62 ou de uma pistola .40 quem já deu ou tomou um.

A polícia mata muito, mas a polícia também morre muito. Mesma a situação dos criminosos. Que venham de onde venham não deixam de ser criminosos. Política de segurança pública? Política Carcerária? Direitos humanos? Falência total.

Aliás, já percebemos que se pode matar muito mais com uma caneta do que com um fuzil. Nem por isso fuzis deveriam estar disponíveis por aí.

2 – A causa da tragédia do Arthur da Flávia, está na banalidade do mal. Está no endurecimento de mentes e corações. Na impiedade e barbárie pura e simples de animais que somos. Na certeza de impunidade.  Alguma dúvida de que no Brasil carros sempre foram armas?

O uso deliberado por esses criminosos do carro como arma contra a família da Flávia somente extrapola o senso de dormência que vivemos diante das estatísticas de morte no trânsito no Brasil. E pergunto: Em que um indivíduo que mata alguém no trânsito porque está alcoolizado é melhor do que esses indivíduos que atropelaram a família da Flávia e mataram o seu Arthur?

Amos Oz, o meu escritor israelense favorito, diz a respeito do conflito árabe-israelense: “É um choque entre o certo e o certo. O que é a minha definição de tragédia”. Eu ouso parafrasear o gênio dizendo que a por aqui a minha definição de tragédia é o choque entre o errado e o errado.

Nenhum dos lados está correto. Nós todos estamos errados.

Muitos porque fazem. Nós outros porque consentimos e nos endurecemos diante dessas tragédias, banalizadas e que se tornam nada mais que manchetes e posts.

 

Quantos mais perecerão?

Lembro-me de Hobbes e insisto em sua frase célebre: “Homo homini lupus”.

O HOMEM É LOBO DO HOMEM…

A nossa crise é civilizatória!

(Em 11/07/2017)

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