O Alfarrabista

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Quanto você vale? (em 23/01/2018)

 invisible hand

Essa é uma pergunta com a qual todos nós nos deparamos na vida, mais cedo ou mais tarde, direta ou indiretamente, nas mais variadas situações e contextos.

O fato é que, em um mundo em que tudo é mercadoria e pode ser comercializado, é necessário que a tudo se quantifique, o que só é possível por meio da expressão de um “valor” em uma unidade social e universalmente aceita.

Assim, as coisas além de valor passam a precisar a ter “preço” na única unidade de valor universalmente aceita para que tal expressão aconteça em nossa cultura: o dinheiro.

Será justamente a partir desses preços que se atribuem às coisas (atente para esse termo) que acabamos por estabelecer a nossa própria escala de valores, no mais amplo aspecto do termo.

A implicação lógica disso é que o preço acaba por ser sinônimo do valor de algo, e ate mesmo a substituí-lo em nossos inconscientes. Algo passa a valer o quanto “custa” [EM DINHEIRO].

Essa é a lógica inexorável do mercado – a mão invisível – que ninguém ”vê” (?), mas que sem sabermos onde está, parece estar por toda parte, que sem sabermos como funciona, sentimos seus efeitos diariamente, sendo poucos de nós os conseguem dela receber um simples afago.

Deixo claro. Não sou a favor ou contra o mercado em si – eu o aceito – dado que é uma construção história que nos está imposta e com a qual temos que conviver (sim, sou fatalista em termos históricos). E que, por mais que ele pareça uma miragem, se é possível isso existir, é uma miragem real, fruto da imaginação e criatividade humanas para criar instituições em sua necessidade de estabelecer vínculos e relações de poder.

O fato é que os nexos mais íntimos pelos quais as relações de valor se estabelecem hoje, mediadas por essa entidade e nessa unidade de valor, moldam nossos comportamento e condicionam as nossas reações.

Afinal, juntamente com os carros, roupas, alimentos e as mais diversas coisas que estão aí para serem comercializadas, nós também estamos, e mais do que isso, nos colocamos disponíveis para compra e venda a um determinado preço. Nós também, segundo a mesma lógica acabamos sendo e querendo (ou precisando?) ser  “precificados” porque também estamos à venda. Chegando o senso comum de forma surpreendente a declarar que “tudo tem um preço”. Pobres dos que desprezam o senso comum!

Mas aqui está a armadilha. Para que tudo isso aconteça, precisamos passar por um processo de “coisificação”. Sim, precisamos nos tornar uma coisa, para que então nos tornemos uma mercadoria, para que consequentemente tenhamos um preço e possamos então nos tornar um item viável para o mercado, ou seja, com preço e disponível para compra e venda, para a comercialização.

Incomoda-me ser uma coisa. Incomoda-me ter um preço. Incomoda-me profundamente ter que tê-lo, e saber que ele será justificado pela “inexorável” lei da oferta e da demanda que, grotesca, ao contrário do que os manuais de economia ensinam, apresentam uma dificuldade tremenda (ou uma  impossibilidade?) em chegar a preços de equilíbrio – ou o que seria o chamado preço justo e que assim, acaba por estabelecer preços que quase sempre estão desalinhados com as expectativas dos então agora denominados “agentes” de mercado”. A questão que me ocorre: Expectativas de quem? De quem compra ou de quem vende? essa é uma questão importante…mas para der discutida em outra hora.

Somos, nós, pessoas, abundantes nesse planeta. Logo, aqueles que nos compram (também pessoas ou seria outra entidade com vida própria?!) entendendo isso, sabem que apesar de nossa própria expectativa de valor, terão o poder para estabelecer o nosso preço. Terão a última palavra. Farão o último movimento. Nos comprarão. Nem o Neymar pode se ver livre dessa dinâmica.

Afinal, abundância implica em muita possibilidade de escolha, para quem pode escolher – quase sempre dentro dessa lógica é o comprador – agora em “concorrência”, em leilão, que diante desse aniquilamento do ser, agora coisificado, precificado e com seu valor relativizado, tem facilitado o seu ato de compra. Afinal, tudo não passa de negócios, certo? Mas, não seria politicamente correto comprar pessoas? Isso não seria uma espécie mascarada de escravagismo? Sim! É escravagismo oras!

Ah, mas claro que não! Pois a mão de obra está disponível no mercado para contratação via acordo justo entre partes iguais.

Pois bem, expectativas geram ansiedade. Ansiedade gera angústia, a angústia, medo, o medo paralisa. Medo de que? Medo de não ser. Medo de estar desalinhado. Medo do erro. Medo da necessidade, Medo da escassez.

Tudo se resume à nossa eterna necessidade de aceitação e acolha, do medo da rejeição. E como as possibilidades de rejeição são infinitamente maiores, naturalmente nos tornamos dentro dessa lógica progressivamente menorizados diante de nós mesmos. Ao querem ter um preço, perdemos valor

Ainda assim, mesmo coisificados, não podemos deixar de querer ser, de querermos ser aceitos, o que nos faz transferir essa necessidade de aceitação a quem nos precifica: o mercado, que nos consagra ou aniquila, que é a lente pela qual nos olham de dentro para fora e de fora para dentro.

Tudo não passa de um tipo estranho de Síndrome de Estocolmo ou de uma dialética do senhor e do escravo. Quem é o cativo? Quem é o senhor?

Solilóquios… Frutos de uma pergunta simples e corriqueira a quase todos comuns dos mortais que me atingiu como um raio: ”Então, Qual é sua pretensão salarial?”

(Em 23/01/18)

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