Maradona, Herói? Anti-Herói? Não! Humano, demasiadamente humano (em 29/11/20).
“Morreu Maradona. Morreu o futebol”, diziam os argentinos ao anunciar a morte de Diego Armando Maradona no último dia 25. Não deixam de ter razão. Sim, em parte morreu o futebol, porque com ele morre um estilo, uma era.
O simbolismo que Maradona representa, não pode ser mais forte e precisa ser lido muito além do fenômeno futebolístico dos anos 80 que ele representou. Maradona precisa ser lido como um fenômeno argentino, latino-americano, e sobretudo, como um fenômeno pop mundial.
Maradona traz em si, todos os elementos de imortalidade dignos do teatro grego: a origem humilde, a ascensão contra todas as possibilidades, fruto de seu talento incrível, que insistiu rebelde, em contrariar as estatísticas graças ao milagre das artes.
O auge, a apoteose (com direito a uma religião para chamar de sua), a hamartia, aquele momento em que a trama foge do controle do protagonista e o joga em um turbilhão de peripécias, vertiginosas como era a bola nos seus pés, só serviram para reforçar a sua aura de imortalidade.
Era lugar-comum na Argentina, diante dos rumores dos sérios problemas de saúde enfrentados por Diego na última década, que se falasse: tranquilo, a Diego hasta la muerte gambetea.
Para mim, esse tempo todo, tal como Odisseu, ele só queria voltar para casa, para sua Íthaka, para sua Villa Fiorito.
Ele nunca deixou que se apagasse sua origem, a sua imagem de pibe del barrio, que apesar de ou mesmo com todo seu appeal cosmopolita extravagante, nunca se deixou desargentinizar, deslatinizar.
Diego foi fiel e generoso não deixando de levar a sua querida Argentina e toda latinidade aos quatro cantos do mundo.
Diego foi um homem que, simbolicamente, vingou seu povo de uma guerra humilhante e estúpida dentro de um campo de futebol fazendo dois gols: um com a mão, divinizado, o outro, elevado à categoria de o mais bonito de todas as Copas do Mundo.
Os argentinos seguem se repetindo que a tônica da vida de Maradona foi dar-lhes alegria em décadas muito difíceis. Alienação? Não saberia dizer. Alento? Certamente sim!
Diego foi coerente até quando errou. Falhou no fair play? Bastante. Foi amigo de ditadores? Sim, foi. Se posicionou mal? Várias vezes. Agiu mal? Muitas vezes? Sim, e daí? Rebelde? Sim, claro que sim! E que bom que foi rebelde até o fim.
Do céu ao inferno? Sim, várias vezes! Atormentado? Sim, muito. Quem não? Vitorioso? Derrotado? Sim, muitas vezes. Quem não? Perdeu para si mesmo? Sim, muito. Atire a primeira pedra quem nunca!
Foi Polêmico? O que é isso? Não sei muito bem dizer.
Só consigo entender que há tempos, só se pode determinar se uma pessoa é polêmica dada sua posição em relação à sua exposição à mídia, que vive de ciclo em ciclo de notícias, vampirizando as peripécias de alguém que ousa viver, tal como o Odisseu argentino, tal como Diego.
Diego, um dos últimos bastiões de rebeldia latina, ousou confrontá-la, para bem ou para mal. Ousou posicionar-se, intuitivamente ou não, contra essa onda politicamente correta orwelliana que nos aplasta. Não o julgo. Não tenho capacidade para tal.
Quanto a mim, só consigo admirá-lo profundamente por tudo o que ele foi: humano, demasiado humano.
(Em 28/11/2020)
Imagem: Crédito – Magali Druscovich-Reuters