O inimigo do meu inimigo é meu amigo? (em 29/04/2016).
O provérbio “o inimigo do meu inimigo é meu amigo” é muito antigo e tem supostamente sua origem no Oriente Médio. É quase sempre invocado em referência a questões políticas ou nos seus limites – as guerras.
Essa estratégia tem se demonstrado historicamente muito eficiente para o estabelecimento de alianças entre aliados improváveis contra um inimigo comum.
Normalmente ela proporciona a vitória, mas em consequência costuma resultar em uma série de conflitos secundários – deletérios e desgastantes – quase sempre mais graves e perigosos que o conflito original – aquele que motiva a “aliança” contra o inimigo comum.
Vejamos um exemplo: Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), os EUA, a França e a Inglaterra com a União Soviética – os aliados – uniram-se para derrotar a Alemanha e as demais forças do Eixo – o inimigo comum. Resultado: os aliados venceram.
Derrotada a Alemanha qual foi a consequência? Uma disputa consequente da disputa de poder e da divisão dos despojos de guerra deu origem à Guerra Fria, ou seja, a uma polarização do mundo em torno de um conflito entre as duas superpotências que emergiram no final da Segunda Guerra Mundial – os EUA e União Soviética – as grandes vitoriosas na guerra contra esse inimigo comum.
A guerra fria durou aproximadamente 40 anos, ameaçou o mundo com uma guerra nuclear e deu origem a diversos conflitos e processos políticos sangrentos como a Guerra do Vietnã, a Guerra do Afeganistão, as guerrilhas da América Central, as ditaduras militares na América Latina, as guerras civis africanas e os conflitos no Oriente Médio.
Logo, uma aliança estratégica contra um inimigo comum e sua consequente vitória deu origem a um período de instabilidade muito mais longo que o do conflito original como consequência do choque entre os antigos aliados – não amigos – por conta de seus interesses próprios.
Parece que o que vemos acontecer no Brasil é justamente esse tipo de arranjo.
Há uma oposição “coesa”. Uma frente unida em prol de um objetivo comum: a derrota do inimigo comum. Todas as forças políticas oriundas dos mais diversos espectros da oposição – que não tem absolutamente nada de homogênea – se aglutinam nesse projeto.
O inimigo comum é o PT e seu longevo projeto de poder que já dura 14 anos e que por mais que esteja esgotado – não pelas propostas – mas pela gestão ruim e condução concessiva e de moral frouxa do jogo político sempre terão lugar no espectro político de qualquer país.
O inimigo comum é Lula, figura que a biografia, história e visão se misturam com a do PT e que é mais presidenciável do que nunca para 2018 e que mesmo alvo de todas as denúncias, desgastes, desmandos, ataques e campanha feroz e de sua desconstrução continua popular e um ator político a ser seriamente temido e levado em consideração.
Parece nítida a estratégia do grupo dos “inimigos de Lula” para neutralizá-lo:
1 – O impeachment de Dilma.
2 – A inviabilização de Lula para 2018 (custe o que custar).
O primeiro ponto já foi alcançado. O impeachment de Dilma é um fato. É questão de tempo. Tem data marcada. Basta, portanto, fazer uma contagem regressiva até a deliberação no plenário do Senado em 11/05/2016.
Quanto ao segundo ponto é mais difícil dizer. Parece que Lula já não tem muitos recursos, poder de articulação política, nem o mesmo o capital político para resistir as investidas que recrudescerão contra ele com Dilma fora do poder.
Eu, como cidadão, simplesmente espero que as denúncias contra ele sejam sólidas e sérias pelo menos do ponto de vista jurídico, que sejam apuradas de maneira séria e institucional e que se provado algum crime ou desvio cometido por ele, que ele seja punido como qualquer cidadão com todo o rigor da lei.
Em se confirmando a inviabilização de Lula, todos os seus inimigos (leia-se, o principal de todos o PSDB e depois o PMDB) vão respirar aliviados – mas por pouco tempo – porque em seguida perceberão que estarão em rota de colisão por desejarem o mesmo – a presidência do Brasil – o poder político.
Aí então começaremos a ver o desenrolar da armadilha que essa lógica do “inimigo do meu inimigo é meu amigo” sempre traz consigo.
Quando se está motivado por essa lógica – que remonta a uma mentalidade tribal – que cai como uma luva no sistema político-partidário brasileiro, não necessariamente ou quase nunca se realiza alianças com “amigos”.
O que une os atores, como já vimos, é simplesmente o desejo de se derrotar um inimigo comum maior. Eliminada a “ameaça comum” o processo que se segue é geralmente de autofagia e lutas internas no grupo.
As diferenças de agenda dos partidos da oposição brasileira são muito grandes. Afora esse fato, a busca pelo poder por parte de todos levará inevitavelmente a essa luta interna.
Com isso terá que lidar o virtual governo Temer.
O primeiro problema com o qual Temer terá que lidar é manter esse frágil equilíbrio de forças para a composição do seu governo.
Sua estratégia tem se desenhado na direção de uma tentativa de formação de um governo de coalizão nacional. Aqui o PSDB é chave. Sem o PSDB Temer não governa. Mas ao mesmo tempo é claro que o PSDB tem agenda própria, contrária ao PMDB e será seu adversário no futuro próximo.
Pior que isso terá que fazer concessões aos partidos pequenos do famoso “centrão” senão não consegue maioria para governar, ou seja, continuará aberto o balcão de negócios e cargos.
O segundo problema com o qual necessariamente Temer terá que lidar é Eduardo Cunha, seu aliado. Por enquanto ele é útil. Mas afastada Dilma e sacramentado o processo de impeachment ele se tornará desnecessário e um peso, pois será o alvo prioritário da oposição, da mídia e da opinião pública dado seu nível de rejeição e da profusão de denúncias contra ele. Deverá ser afastado, processado e condenado.
Temer terá que se afastar dele, dado que, por uma questão prática, não pode ter, como presidente, a sua imagem ligada a um homem como Cunha.
Isso será bastante problemático para Temer porque por outro lado, Cunha não vai se render facilmente, todos já vimos que isso não faz parte de seu temperamento.
Cunha não hesitará de cobrar de Temer todos os “serviços” prestados a qualquer custo.
Terceiro problema com o qual Temer terá que lidar vai ser com as ruas e sua altíssima taxa de rejeição. Temer nunca foi um político conhecido ou popular. Sempre foi ruim de voto. Teve dificuldade inclusive para se eleger Deputado Federal por SP.
Além disso, o povo entendeu que Temer foi aliado de Dilma e do PT durante todo o período em que o PT esteve no poder e que de certa maneira é coadjuvante importante daquilo que se convencionou chamar “o conjunto da obra” do governo Dilma.
Temer não conseguiu ainda passar a confiança de que terá condição de governar e realizar minimamente a agenda necessária para começar a colocar o país nos trilhos.
Sequer o mercado comprou ainda a “ideia Temer”. As reações do mercado são muito mais consequência do afastamento de Dilma que de uma expectativa positiva pela entrada de Temer.
A missão de Temer por si só já é praticamente impossível. Sua posição é frágil e todos sabemos que não se vai resolver os problemas do Brasil em dois anos.
Para piorar, essa imagem que se tenta vender de que o Brasil pós-Dilma será pacífico e tranquilo do ponto de vista político e de que a economia sairá do buraco por meio de “reformas estruturais” e de um “choque de gestão” não condiz com a realidade nem com a lógica do provérbio citado no início do texto, simplesmente porque Temer não terá capital político para proporcionar essa estabilidade.
O que nos esperam são conflitos piores, afinal, no Brasil, se aplica com muita propriedade – hoje mais do que nunca – a máxima de Maquiavel “o amigo de hoje é o inimigo de amanhã. ” É só uma questão de tempo.
As perguntas que ficam no ar: O que nos reserva o futuro próximo pós-Dilma? Do que Temer será capaz?
Crédito ilustração: Orandelli (http://www.orlandeli.com.br/novo/wordpress/)
(Em 29/04/16)