O Alfarrabista

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Enfim, prevaleceu “conjunto da obra” (em 12/05/16).

E aconteceu o que todos já sabiam. O Senado Federal aprovou por 55 a 22 com 1 abstenção e 3 ausências a admissibilidade do processo de impeachment contra a presidente Dilma e seu afastamento por 180 dias.

Em seguida Michel Temer assumirá a “interinamente” a presidência da República durante o período do julgamento do processo de impeachment da presidente afastada Dilma no Senado.

Todos nós sabemos que esse “interinamente” de Temer é eufemismo para “provisório-permanente”.

Dilma está liquidada e Michel Temer deverá governar até 2018.

Gostaria, neste momento, de me deter na expressão “conjunto da obra” usada reiteradamente desde a discussão e votação na Câmara dos Deputados e que permeou toda a discussão realizada pelos senadores tanto na comissão especial como na votação do plenário.

É importante definir o que se quer dizer “conjunto da obra” porque foi por isso que Dilma de fato foi afastada da presidência. O seu julgamento foi político.

Os crimes de responsabilidade a ela imputados e que geraram o processo de impeachment foram: as pedaladas fiscais (decretos de emissão de créditos complementares) e o plano safra.

Ambos apresentam indícios reais de indicação de má gestão, mas não representam nada que não havia sido antes por outros governos. Mas isso era mero detalhe.

Houve nitidamente uma guerra hermenêutica entre acusação e defesa para se definir o que de fato foram as “pedaladas” e não ficou tão claro (pelo menos para nós, comuns mortais) se as operações foram de crédito ou não.

Ficou a dúvida e a impressão de que foram usados pela acusação instrumentos legais legítimos a pretexto de um ataque maior, mais além do que era acusada Dilma. Isso não era um problema. Dilma era um alvo fácil, um alvo fixo e como tal seria derrubada com ou sem manobra constitucional.

Mas, com golpe ou sem golpe, a realidade que se impõe acerca do afastamento de Dilma é a seguinte:

1 – Dilma não governou. Não governou porque não teve capacidade para governar. Seu primeiro mandato foi inercial nos pontos positivos e foi muito ruim no que tange à sua habilidade de articulação política (falo aqui no bom sentido da expressão). Dilma foi sofrível tanto com o Congresso quanto com o Povo;

2 – Com relação à política econômica os fatos e os números falam por si mesmos. A “Nova Matriz Econômica” de Nelson Barbosa, adotada discretamente já no governo Lula 2 e escancaradamente nos governos Dilma se demonstrou um desastre total e completo. Um neokeynesianismo de terceira categoria com suas “políticas anticíclicas”.

Quando políticas econômicas heterodoxas funcionaram no Brasil? Nunca! Já era para termos aprendido isso desde o “encilhamento”.

Em tempo, essa afirmação não significa que eu defenda o ideário ortodoxo dos Chicago boys. Nada disso! Existe outro caminho, mas essa é uma outra história…

Dilma, assim, decidiu-se então por uma política econômica que privilegiasse:

– Expansão fiscal, ou seja, estímulos via gasto público a custo do abandono das metas fiscais e do desrespeito ao orçamento, o que explodiu o nível de endividamento público;

– Expansão de crédito a juros subsidiados e isenções fiscais, que levou ao controle direto de preços e tarifas e desonerações tributárias que levou a uma queda na arrecadação e a um estouro da inflação.

– Taxa de câmbio controlada. O governo passou a intervir sistematicamente no mercado de câmbio em nome de uma tal “taxa de câmbio competitiva” (novidade que não consegui encontrar em nenhum manual de macroeconomia).

Era uma resposta de sinal trocado com relação ao que se vinha adotando anteriormente, sobretudo nos governos FHC 2 e Lula 1 em termos de política econômica: responsabilidade fiscal, metas de inflação e taxa de câmbio flutuante. Ferramentas de política econômica muito discutíeis aliás, que não ajudavam como deviam o crescimento econômico, mas pelo menos ajudavam no controle das contas públicas, da inflação e do nível de emprego.

Resultado da política econômica de Dilma:

– Situação insustentável da dívida pública.

– Crescimento baixo – Recessão com a curva de crescimento negativo (eufemismo para encolhimento da economia) ladeira abaixo.

– Desemprego.

– Aumento da inflação – que não é de demanda, mas de custo. Agravada pela situação fiscal descontrolada e pela política de controle cambial desastrada e que contaminou os preços básicos da economia.

Em resumo, Dilma colocou o Brasil e os Brasileiros no cheque especial e todos nós sabemos o que isso significa e como é difícil sair dessa armadilha.

Por outro lado, Dilma nem tentou realizar as reformas de base tão importantes para o Brasil.

E as reformas, quem vai fazer?

Não há quem concorde com o sistema tributário brasileiro. É preciso uma reforma.

A questão previdenciária é uma bomba relógio. É questão de tempo até explodir. Matemática simples. Quando foi elaborado o nosso atual sistema previdenciário, 5 trabalhadores financiavam um 1 aposentado. Hoje os brasileiros vivem mais e menos pessoas estão empregadas. Agora a equação é 1,7 trabalhadores financiando 1 aposentado. Chegaremos ao estrangularemos do sistema. É preciso uma reforma.

É preciso incentivar quem produz. Para isso é preciso abaixar a taxa de juros e acabar com essa sangria tresloucada que os bancos causam no país. É preciso promover uma reforma trabalhista justa que desonere, mas não prejudique os direitos dos trabalhadores. É preciso investir em infraestrutura (portos, aeroportos, estradas, etc.). É preciso acabar com essa burocracia ridícula que entrava os negócios. É preciso que as empresas brasileiras possam ganhos de produtividade reais.

É preciso investir em educação. Educação de verdade. Em Matemática e português, que são as parteiras do pensamento. Quem sabe a sua língua e sabe matemática sabe pensar e quem sabe pensar sabe aprender qualquer coisa. Elas são as parteiras do desenvolvimento. São as parteiras da tecnologia e não esses cursinhos técnicos pé de chulé. Precisamos, nada mais, nada menos do que a velha e boa escola. É preciso que se invista na Universidade para que a Academia se insira nesse processo produzindo conhecimento de verdade que alimenta o sistema produtivo. Não há desenvolvimento e crescimento econômico sem pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias.

A economia brasileira precisa se abrir. Não de calças agachadas para americanos e chineses, mas para realmente começar a se inserir soberanamente no mercado internacional.

Em comércio não se despreza ninguém. Vende-se para quem quer comprar e para quem paga. Gosto do Mercosul, mas ele não funciona. Os BRICS são bons e uma prova disso é que os americanos não gostam dele.

A ideologia que deve guiar o comércio é vender e não fazer cooperação econômica. Cooperação econômica é outra história. Não temos bagagem para isso e se muito nesse quesito temos que ser clientes. É preciso pragmatismo na nossa política de Comércio Exterior.

Comecemos pelas commodities onde somos fortes, mas já estamos há 200 anos nessa batida, ao sabor das oscilações e ciclos de preços. Precisamos agregar valor a nossos produtos à nossa pauta.

E a soberania nacional? E as nossas fronteiras? E a segurança pública? E a modernização das nossas forças armadas? e os grampos da NSA? o famoso ditado Si vis pacem para bellum?

Dilma não realizou nada disso. Na verdade, ninguém conseguiu realizar isso até agora.

Em suma, o resultado desastroso do governo Dilma na economia, por mais que o cenário econômico internacional não fosse favorável, foi consequência de suas convicções e políticas implementadas.

Seu fracasso na economia foi o que a derrubou.

Mexeu no órgão mais sensível do corpo dos seres humanos: o bolso.

Não se discute os ganhos. Só se discutem as perdas. Onde erramos é que nos tornamos visíveis.

Inclusão social, políticas afirmativas, Prouni, bolsas-família etc., etc. Tudo ótimo, mas nada além do que se esperaria de um governo “democrático-popular”.

Tais políticas não só precisam ser mantidas como expandidas e desenvolvidas. Não podemos ter gente passando fome no nosso país (seja fome de comida ou fome de direitos).

A sua incapacidade política só acelerou a queda e reavivou certos “valores” de certos “grupos” que sempre estiveram por aí.

Dilma, a presidente eleita democraticamente, foi acusada de pedaladas, mas caiu pelo “conjunto de sua obra”.

E a culpa foi dela.

Essa é a realidade.

O que vem pela frente, de início parecerá bom – porque na falta de qualquer movimento um movimento qualquer pode parecer uma melhoria – mas não será.

Épocas extremas acabam gerando movimentos extremos. É isso que estamos vivendo. Não sejamos ingênuos, não sejamos otimistas e os movimentos extremos de quem vem por aí tem a quem beneficiar, e não parece que seu alvo seja a maioria.

Tomara que nossos governantes tomem algum juízo porque essa espiral de insensatez não dá sinal de estar na descendente.

É tempo de realismo e muita atenção.

A tempestade está longe do fim, e tenho a impressão que o “inverno está chegando”.

(Em 12/05/16)

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