O Alfarrabista

O Alfarrabista

O medo está vencendo a esperança (em 16/03/16).

Esse texto foi o primeiro que eu escrevi quando decidi criar o ALFARRABISTA. Foi escrito em 16/03/16. Acabei não publicando porque a rapidez dos eventos foram me levando com a maré numa outra direção.

É quase um manifesto de um cidadão brasileiro que assiste esse espetáculo que está diante de nós e se chama BRASIL.

De lá pra cá muita coisa aconteceu, mas a reflexão continua válida, porque os dilemas e problemas são os mesmos.

ENFIM, SEGUE ABAIXO O TEXTO:

Como um cidadão comum atento aos acontecimentos do meu país tenho acompanhado os noticiários dos mais diversos veículos, das mais variadas orientações ideológicas – todos têm algum viés ideológico – afinal não existe discurso inocente!

Faço isso porque ouvir os dois lados é o mínimo que um cidadão honesto pode fazer para tentar entender o que está acontecendo no seu país.

Acho que esse é o cerne do espírito democrático. Não tenho orientação política, pelo menos não nos termos maniqueístas em que se estabelecem as posições hoje: o famoso “nós” contra “eles”. Não sou socialista, não sou um liberal.

Não acredito numa presença exagerada do Estado em nossas vidas, mas não acredito ser viável o cada um por si do Estado mínimo. Logo, poderiam me rotular como um “centrista”. Ok. Pode ser. Não me aofende.

Sobre a situação do país, como a realidade sempre se sobrepõe ao desejo individual, vou tentar fazer – de novo como um cidadão comum – um apanhado das minhas percepções do que está acontecendo e depois, vou falar sobre o que eu desejaria que acontecesse.

1 – Um determinado partido está no poder desde 2002. É um fato. O PT é governo desde 2002. Como todo grupo político tem um projeto de poder e faz o que for necessário para executá-lo e assim o fez.

Pretende ser “democrático popular”, não sei muito bem o que isso quer dizer, mas acho que a intenção seria defender as bandeiras “sociais” e das “minorias”. Contradição em termos porque quem pretende ser “popular” (e a palavra popular vem de “povo”) deve estar de olho na maioria, afinal, povo para mim soa como maioria – soa como sinônimo de “povo brasileiro”. O que se falava então era que a “esperança havia vencido o medo.

2 – Para exercer o poder é necessário fazer alianças. Em todo lugar é assim, até nos nossos lares, e, pelo menos em uma democracia espera-se que seja assim – faz parte do contrato social, ou como está em voga, dos “ideais republicanos”.

O problema é que no esdrúxulo sistema político brasileiro, que se convencionou chamar de “presidencialismo de coalizão” essas alianças não são um meio para se formar um governo, mas uma razão em si mesma. O famoso balcão de negócios onde se trocam cargos por apoio. Onde se exerce a política rasteira do país.

Assim, o PT teve que fazer arranjos e concessões, cortes na própria carne para poder, visando o “bem maior”, se consolidar para colocar em andamento o seu projeto.

Logo, o discurso ficou menos “popular” e mais “classe média” (aquela que agora é “coxinha” e que a Marilena Chauí disse com todas as letras que odeia), e da qual até me considero parte.

Assim, mais “paz e amor” com cartinhas abertas para o “povo brasileiro” (na verdade, para o mercado e para as elites).

Logo se convidou um presidente de banco internacional (ou seja, um “banqueiro”, palavra herética, um anátema para o PTzão de raiz) para comandar a nossa autoridade monetária e se deu continuidade a toda política econômica ortodoxa, com controle da dívida pública (a famigerada meta de superávit primário), metas de inflação via taxas de juro (o inflation target trazido pelo Armínio Fraga) e câmbio flutuante, fruto da quase quebra cambial de 1999.

Ou seja, o PT replicava ipsis literis a política econômica de FHC no Lula 1.

Aqui está a gênese de toda a crise, pois ao assumir essa estratégia, o PT abriu mão de seu maior ativo, o viés ideológico e porque não utópico, em prol de uma visão pragmática e acabou por lançar bases para se tornar mais do mesmo.

3 – Mas o que se poderia fazer? Foram decisões erradas? Não. Pior que não! Foram decisões acertadas. Era o primeiro choque de realidade.

Fizeram o que tinha que ser feito senão o país parava e o projeto do PT morreria no berço. Afinal de contas, rapidamente se percebeu que, como dizem os americanos, não existe almoço grátis ou ainda, para dar um ar mais tupiniquim parafraseando o sargento Rocha do Tropa de Elite “quem quer rir, tem que fazer rir…” e então vemos via pragmatismo a virgem vestal petista ser iniciada no terrível mundo do fisiologismo e da corrupção.

Eis aqui, pois, outra contradição. Como é que fazer a coisa certa pode dar tão errado? Simples. A resposta foi que o PT fez o que todo mundo que esteve no poder faz no Brasil desde que ele existe.

Mas a vida é assim mesmo, contraditória, e é preciso seguir em frente matando um leão por dia, e assim o PT seguiu adiante, governando, e aprendendo a jogar.

Lula, muito inteligente, aproveitou tudo o que havia de bom, deu uma melhorada em muitas outras coisas, deu sorte, pegou uma maré internacional favorável e surfou em onda grande.

O país cresceu, o acesso ao consumo via crédito aumentou (ai estava uma outra armadilha que iria custar caro depois e que agora estamos vendo se conseguiremos pagar a conta, já que usar consumo para financiar um crescimento é ilusório) porque economistas heterodoxos não entendem de mercado e não conseguem entender que preços de commodities flutuam e que, como nos ensinava Kalecki, costumam tender a flutuar para baixo, sobretudo em tempos de desaceleração, o que começou a dar sinais de acontecer em meados de 2005 e culminou com a hecatombe americana de 2008.

A crise que como um tsunami quase varreu o mundo chegou aqui como um “marolinha”, nas palavras do Lula. Mas aqui as coisas continuaram a desandar pois, como acontecem em muitas famílias, é preferível manter as aparências a aceitar que não iríamos aguentar a barra e reajustar as expectativas. Então o PT piscou.

Cedeu à tentação e começou a querer inventar uma solução mágica para a superação da crise (a tal “Nova Matriz Econômica”, digna de um Prêmio Ignóbil) e, gente, cá entre nós, com dinheiro não se brinca e até a pessoa mais simples sabe que se você gasta mais do que ganha, mais cedo ou mais tarde você não vai conseguir pagar.

Trocando em miúdos foi exatamente isso que o Brasil fez. Entrou e colocou a maioria dos brasileiros no cheque especial. Os juros, desceram e subiram, subiram e subiram.

O PT e os brasileiros acreditaram na lenda do “gigante pela própria natureza”, a frase do nosso hino cantada com mais ênfase, apesar de, vez por outra, confrontados com nossa realidade termos que ouvir de países do tamanho de Sergipe que não passávamos de um “anão diplomático” e que por isso era melhor cuidar de nossas próprias mazelas.

Fizemos a Copa, arenas (eufemismo para o que antigamente se chamava de “elefantes brancos”), perdemos de 7×1 (outro choque de realidade quase que premonitório!) e fomos seguindo, ao estilo lé com lé, cré com cré, um sapato em cada pé, afinal ainda temos as Olimpíadas pela frente (e quem se importa com a Zika e os milhares de microcéfalos?).

4 – Sobre a “companheira” Dilma tenho pouco a dizer. Fruto do desejo de se perenizar no poder de seu pai político –  Lula – é alçada candidata, sem ser quadro orgânico do PT, sem experiência eleitoral, mas, até então, um quadro burocrático obediente.

Quando vejo o modus operandi da presidenta me lembro do filme “Stalin”. Eleita, adota uma estratégia paranoica de se cercar de um aparato burocrático obediente e incompetente.

A Dilma representa as duas coisas. É uma burocrata, obediente e se mostrou infelizmente, completamente incompetente, e para piorar se cercou de burocratas obedientes e infelizmente mais incompetentes do que ela.

Não sei se é uma impressão minha, mas parece que essa senhora, além de teimosa, tem o dom de fazer tudo errado.

Não sabe se comunicar com o país, não sabe conversar, não sabe fazer acordos, não entendeu, como seu pai político, que se quer rir tem que fazer rir (não estou falando de propinas e favores aqui, mas de acordos), não entendeu que estava deitada na mesma cama com o PMDB (que como César é “homem de todas as mulheres e mulher de todos os homens”) e que ainda num complexo megalomaníaco de super economista conseguiu fazer simplesmente tudo errado na gestão econômica, adotando uma abordagem anacrônica para nossos problemas, sem nem mesmo ter se dado conta das bombas de efeito retardado que seu pai deixou armadas para explodir no seu colo.

Um fiasco total e completo. Não precisava nem tanto esforço da “oposição”. Ela é do tipo que, na linguagem dos peladeiros de fim de semana “a natureza marca”, ou seja, não precisa atrapalhá-la, porque ela sozinha já é suficiente para se atrapalhar.

Como disse FHC, suspeitíssimo para falar, “Dilma merece o prêmio Nobel de Economia, pois conseguiu arrebentar tudo ao mesmo tempo”. E eis que chegamos a 2014, a reeleição de Dilma, à oposição.

5 – Digam o que disser, seja ela o que for, com ou sem estelionato eleitoral (esse é um problema dos eleitores e do TSE) a Dilma foi eleita. Lição para quem está aprendendo a ser democrata. Reeleita legítima e democraticamente em uma eleição direta e universal.

De quem é a culpa de sua reeleição? Nossa, ora bolas! Tanto dos que votaram nela como dos que não votaram também!

Competência do Lula, dos marqueteiros e do PT (que já está craque no metier político brasileiro) e por outro lado, incompetência da oposição, de Aécio e companhia, que não conseguiram mostrar alternativas claras para o que estava sendo feito, que não souberam informar e educar os eleitores que a alternância de poder é importante e saudável para qualquer democracia.

Dos milhares de “assistidos” que precisam superar a síndrome do jeca-tatu e começar a caminhar com suas próprias pernas com ou sem barriga d’água e a entender que “bolsas” pesam, e tornam a caminhada mais difícil com o tempo.

O PSDB não levou a eleição no voto e imediatamente começou a querer levar no grito. Quase que baixando o espírito da República Velha, que nunca deixou de nos rondar, começaram a tramar um levante ao estilo café com leite.

Primeiro questionaram os resultados da urna, depois acusando a presidenta reeleita de estelionato eleitoral (quem nunca mentiu em campanha política no Brasil que atire a primeira pedra, até mesmo porque, se não mentiu, não ganhou), moveram ações no TSE. Não deu em nada.

As frases seguintes dos opositores, quase uníssonas, depois da posse da presidenta era “vamos fazer esse governo sangrar”.

Discurso irresponsável e desconectado com a realidade pois não leva em conta de maneira sórdida de que quem sangra na verdade é o país, as pessoas, afinal, todos esses senhores são pagos e bem pagos para exercer essa palhaçada que eles chamam de política de oposição.

Ribombaram os tambores do impeachment. Golpismo claro. Golpismo sim! Podiam admitir, porque são golpistas todos aqueles que querem tirar do cargo, sem prova, alguém legitimamente eleito por voto popular.

6 – Como funciona uma oposição em um regime democrático? Por oposição em um regime democrático me refiro a oposição responsável. Ela é o contraponto. Ela é a dissonância. Ela é o contraditório.

Ela ajuda a governar se opondo, dentro das normas e das regras do jogo político e democrático e não simplesmente obstruindo o andamento da coisa pública, pois a postura da dita oposição não parou o governo, parou o país. Foi essa a estratégia assumida pela dita “oposição” não por interesses patrióticos, mas puramente partidários e individuais, manifestação da luta do poder pelo poder.

Se a presidenta, que sozinha já é um perigo, marcada de perto, implacavelmente pelos opositores, simplesmente empacou.  Eles não estão prestando serviço ao Brasil.

Talvez, essa época que vivemos entre tristemente para a história do país como “A Era Cunha”.

A presença de um indivíduo desse quilate na presidência de uma das casas legislativas do país, demérito do governo que não conseguiu conter seu avanço e vitória pírrica da oposição, que por si só já fala muito sobre o estado de coisas do país.

A oposição, que representa as forças mais conservadoras e retrógradas do país, insuflou esse movimento, tem dado impulso a forças que estão fora de seu controle, tanto as “institucionais” como as “golpistas” sem se dar conta de que fatalmente também vai acabar se tornando vítima dela, dado que esse tipo de forças quando colocadas em movimento nunca se comportam como o planejado, tomam vida própria e se tornam verdadeiros Leviatãs, pois que, se tem uma coisa certa nisso tudo, é que o problema não são os indivíduos, os partidos, as ideologias ou as bandeiras, mas o sistema em si, que serve de plataforma para todos esses descalabros, desmandos e corrupção.

7 – Pois bem, chegamos ao ponto nevrálgico: a corrupção e o funcionamento das instituições.

Esse é o ponto central para entendermos creio que o momento e o país.

Faço a seguinte alegoria: a corrupção está para o Brasil assim como o infarto está para o cardíaco. Ela teria provocado esse colapso econômico e institucional.

De fato, a corrupção é terrível. A própria palavra já demonstra do que se trata, corrupção, vem de corroer, é algo que corrói, de dentro para fora e de fora para dentro, destrói, distorce, machuca.

Talvez estejamos de fato diante dos maiores escândalos de corrupção (descobertos e apurados) da história do Brasil independente. São fatos terríveis, devastadores, que nos envergonham, mas que demonstra quem somos.

A corrupção e a história do Brasil se confundem a um ponto que não se pode determinar quem veio primeiro, eu creio que a corrupção veio primeiro.

Temos que fazer um mea culpa nacional, coletivo, porque somos isso aí, o pais é reflexo do seu povo, as instituições são reflexo do povo, afinal as leis e instituições materializam ideologias e valores, ou seja, uma cultura. Os petistas não são diferentes. São gente como qualquer um de nós.

Me lembro agora de uma frase da Maria da Conceição Tavares, petista histórica, lá pelos idos da década de 1990, em uma palestra para estudantes de economia que eu assisti. Ao ser interpelada sobre se uma ascensão do PT ao poder era possível e se o PT traria para o Estado a sua postura de austeridade e ética conforme propagado aos quatro ventos ao longo de sua trajetória e militância então de oposição.

Ela respondeu, como sempre, bem lusitana e histriônica: “Olha, creio que o PT chegará ao poder. Quanto a roubar, só posso dizer uma coisa: só pode dizer que não é ladrão quem esteve na posição de roubar e não roubou”.

Essa assertiva de Maria vale para cada um de nós: Eu, você, o Lula, a Dilma, o Aécio, o Cunha e o Moro.

Corrupto tem que ser processado, julgado, condenado preso, multado e tem que devolver o que roubou. Ponto!

8 – Quanto ao funcionamento das instituições, temos ouvido por todo lado, sobretudo na imprensa de grande circulação, a frase (naquele tom bem consolador) que pelo menos, nesse quiproquó todo há uma coisa boa, a demonstração que a democracia está sendo fortalecida e que as nossas “instituições” estão funcionando. Pois bem, sinceramente queria acreditar mas não consigo.

O poder executivo está estrangulado, paralisado. A presidência da República, centro gravitacional do poder em uma República Presidencialista, não consegue presidir, não consegue reger minimamente a articulação política, tornou-se um bordão: “fomos pegos de surpresa pelos eventos”.

Os ministérios de Estado estão à deriva, reféns da colcha de retalhos política chamada “coalizão governista” e do toma lá dá cá de ministérios, moeda de troca na barganha política.

Para ficar em poucos exemplos, o ministério da Fazenda não consegue cumprir absolutamente nada do que propõe, nenhuma meta sequer. O da Saúde está tomando uma surra do mosquito aedes. O das Relações Exteriores está sendo obrigado a fechar representações e a atrasar contas por falta de verbas. Em suma, a instituição executivo não funciona.

O legislativo, bem, o legislativo (pausa bem longa) é um universo paralelo. Vendedores de terrenos na lua, saltimbancos trapalhões, onde a grata surpresa acaba sendo, pasmem, o Tiririca, está refém do PMDB de Cunha, réu de ação criminal no STF e de processo no Conselho de Ética da própria casa que continua a presidir, como se nada tivesse acontecendo, como se vivesse na terra do nunca.

Vota o que quer, não vota o que não quer, manobra para lá, manobra para cá e vai literalmente tocando o barco.

Qualquer coisinha, acabam tendo que dirimir suas dúvidas, questões e ritos no STF. Em suma, o legislativo, parece que está, mas não está funcionando. Simplesmente vemos a política sendo judicializada.

O judiciário, bem, aí é uma outra história, pelo menos ao que parece. Aqui parece que as coisas estão caminhando.

Parece que inclusive a capacidade do judiciário de resolver as questões e se manter como guardião da lei e da constituição tem começado a inflar sua importância.

O STF tem sido um farol nesse processo, mas a turma de caneta pesada lá de Curitiba, inspirada pelos juízes italianos que atacaram impiedosamente a máfia italiana por meio da “operação mãos limpas” apesar do idealismo e juventude, também parece meio desconectada da realidade brasileira e nitidamente em consonância com uma determinada agenda política.

O ideal nem sempre se materializa no real. Nem sempre o que se idealiza se materializa da maneira pretendida na realidade. É preciso ter cuidado, porque a pior ditadura possível é a do judiciário porque contra ela não há a quem recorrer.

O Ministério Público e a Polícia Federal também têm sido instituições que alegadamente funcionam, a primeira independente por definição a segunda com força institucional sem interferências aparentes para do Ministério da Justiça.

Entretanto, essa turma brilhante e idealista de jovens procuradores e promotores não podem jamais acreditar na lenda (bem ao estilo Paulo Coelho) e se tornarem paladinos.

Eles precisam todo dia lembrar quem eles representam e nós sabermos que eles fiscalizam e guardam o estado de direito para e por nós, senão, mais dia ou menos dia, se as regras e garantias institucionais mais básicas não forem respeitadas, nada impede que as próximas vítimas de conduções “coercitivas” sejam pobres mortais como eu ou você.

Em suma, o judiciário funciona sim. Nessa esfera, nesse caso. Enquanto isso milhares e milhares de processos estão entulhados em varas judiciais país a fora e milhares de presos entulhados em um sistema carcerário medieval sem sentença. Não esqueçamos disso. Mas à guisa de alerta fica o adágio de que a diferença entre remédio e veneno é somente a dose.

Enfim, esperando não ter gastado todo o meu latim nesse apanhado das minhas percepções do que está acontecendo, vou falar sobre o que eu desejaria que acontecesse. E aqui as coisas se resumem, porque não se permite sonhar tão alto assim por aqui.

Gostaria de, em primeiro lugar ter garantido o meu direito e o de minha família de ir e vir.

Queria poder sair na rua à noite, sem muita preocupação com hora, ou toque de recolher dos donos do tráfico local, para aproveitar a fresca desses calientíssimos de verão sem ter medo de ser morto.

Que meus filhos e esposa pudessem sair de casa sem que eu tivesse que monitorá-los de meia em meia hora para saber se eles ainda estão entre os vivos, sem ter seus celulares roubados, sem facadas, sem sequestros relâmpagos etc., etc., etc.

Sabe, ironia à parte, não peço nem para que nos garantam tanta segurança ao ponto de me protegerem de assaltos e coisas do gênero, só queria ir e voltar pra casa e ficar vivo mesmo, só isso já estaria bom. O resto, repito como bom brasileiro “a gente trabalha e compra outro”.

Gostaria de, em segundo lugar, dada a carga tributária que pagamos (não vou nem me arriscar a discutir se é alta ou não, pois as estatísticas falam por si mesmas) se caso eu passasse mal na rua eu pudesse ser levado a um pronto-socorro em um hospital público que me atendessem e não me deixassem morrer.

O hospital não precisa nem ter médicos tão experientes, podem ser os cubanos, não precisa ter equipamentos de ponta nem estar tão arrumadinho. Só precisava estar limpinho.

Gostaria de não ter que pegar Zika ou Chukungunya ou H1N1 por que dengue eu já peguei. Não gostaria que minha filha tivesse um filho microcéfalo.

Se perdemos para um mosquito conseguiremos ganhar de quem? Será pedir demais?

Em terceiro lugar, quanto ao transporte público, a mesma coisa, não precisamos de engenheiros superinteligentes como aqueles do MIT, que resolvam os problemas insolúveis do nosso tráfego, nem de trens bala como os japoneses, hiperpontuais.

Os ônibus até que dão para o gasto. Só queria mesmo que a gente pudesse se locomover de maneira mais decente e chegar em casa e escapar desse trânsito louco que mata mais que a guerra do Iraque.

A escola, ah a escola, vou na mesma direção, não precisa de luxo, basta ter vaga suficiente e professores que soubessem e quisessem dar aula, que não tivessem medo dos alunos, que não tivesses sua integridade física ameaçada quando exercessem a sua prerrogativa de autoridade em sala de aula ou quando avaliasse um aluno.

Professores com os salários decentes em dia, levemente equiparados aos do legislativo e judiciário, afinal eles, os professores, lidam com nossos tesouros mais preciosos, os nossos filhos, que são o futuro do nosso país, que oferecessem merendas que não fossem aguadas por conta de desvios e um ensino compatível com o mudo moderno e suas demandas, seria pedir muito?

Vou parar por aqui, porque se você não perdeu a paciência, eu já perdi a minha.

E além de tudo, hoje, dar opinião no Brasil dá medo.

Infelizmente, o medo tem vencido a esperança.

(Em 16/03/16)

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