O Menino e a foto (Em 03/12/2023).
(Foto: Photo Alexandra Charitan)
Em algum lugar dos Estados unidos em 2023, vi pela porta da varanda, emoldurada como uma foto um prediozinho de tijolos marrons bem ao estilo americano.
Me aproximei.
Não ousei abrir a porta e acessar a varanda porque aquela paisagem me paralisou.
Entrei em uma espécie de dobra no espaço tempo e então voltei para o ano 1989 e vi o menino que com o seu Walkman ouvia uma lição de inglês, daqueles cursos programados de idiomas em fitas k-7 tão comuns naquela época.
O livro era muito ilustrado. Havia muitas fotos de paisagens e construções nos Estados Unidos e Inglaterra. Eram lindas e era para lá que o menino fugia quando o ambiente ao seu redor se tornava menos do que suportável.
Ele preferia ouvir outra língua. Palavras que ele ainda nem entendia muito bem, para não ter que ouvir o que estava sendo dito. Ele entrava naquelas fotos como um refúgio. Se imaginava ali naqueles lugares.
Ali a vida parecia mais calma, mais bonita e melhor. Ele pensava se um dia conseguiria chegar nesses lugares. Era algo tão distante e improvável que acontecesse diante do que vivia.
Ele queria muito ir para longe porque não queria mais olhar ao redor. Não queria mais estar onde não queria estar.
De repente as lágrimas correram pelos meus olhos. Simplesmente vieram e eu não as segurei. Não pude.
Não era um choro triste, mas também não era alegre. Era um choro aliviado, um choro de reencontro. O homem de 2023 se encontrou com o menino de 1989.
Eles tinham evitado se encontrar até hoje, mas hoje foi inevitável, por algum motivo que eu não sei.
Foi a porta da varanda emoldurada? Aquela imagem possibilitou o encontro? E enfim o homem disse para o menino:
– Ei menino, tudo bem? Eu sou você em 2023.
O menino me olhou sem acreditar no que estava ouvindo e continuei.
– Queria te dizer que você vai conseguir. Continue viajando pelas fotos. Continue aprendendo as palavras até entendê-las todas, elas vão te ajudar a chegar até lá.
Então ele me perguntou:
– Chegar aonde moço?
– Aonde você que ir, disse eu.
E complementei: Você não quer ir até os lugares dessas as fotos?
– Sim, o menino respondeu.
Como ele me via com lágrimas nos olhos, perguntou:
– Por que você chora?
Eu respondi: Choro porque conseguimos. Foi bem difícil chegar até aqui. Vai ser bem difícil chegar até aqui.
Vai? Ele me perguntou.
Sim! Eu respondi. Mas fique tranquilo vamos chegar. Te garanto.
Vamos? Por que você diz vamos?
Eu respondi: Por que eu sou você e estou aqui, vendo justamente a mesma foto que você.