Todo mundo demorou a gritar, Dilma demorou a gritar, agora, talvez seja tarde (em 18/03/14).
Diz assim um poema escrito em reação a regimes ditatoriais: “Na primeira noite, eles se aproximam e roubam uma flor do nosso jardim: não dizemos nada. Na segunda, já não se escondem. Pisam as flores, matam o nosso cão e não dizemos nada. Até que um dia o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz e, conhecendo o nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E já não podemos dizer nada”.
Pois bem, polêmicas literárias à parte, seja o autor o Eduardo Alves da Costa, o Brecht ou o Maiakovski – longe de mim querer resolver a controvérsia a respeito de sua autoria – reconheçamos – esse poema nos fala muito a respeito do que estamos vivendo.
O que não se percebe, deixando os partidarismos de lado – como se isso foi possível hoje – é que a situação do país vai muito além desse embate entre petistas e coxinhas, governo e oposição, executivo e legislativo e judiciário.
Tudo isso que passamos, nada mais é do que a concretização de um descolamento entre o mundo político e jurídico (as tais instituições republicanas) e a sociedade – o povo – um processo que vem de longa data. Simplesmente vivemos em mundos diferentes.
O interessante é que ninguém viu. Se alguém viu não falou. Se alguém falou não foi ouvido, e seguimos tocando a vida fazendo concessões sobre concessões, dando jeitinhos sobre jeitinhos, passando vergonhas sobre vergonhas e como no poema, foram nos espremendo, nos abusando, nos espoliando e não dissemos nada. Agora, não há muito o que dizer, por que já permitimos que o mais fraco deles arrancasse nossa voz da garganta.
A camarilha do PT, a camarilha do Congresso, a camarilha das Cortes e seus capangas ditam as normas, roubam, destroem reputações, grampeiam, nomeiam ministros, xingam, noticiam e matam.
Nós, enquanto isso, estamos nesse carrinho de montanha russa desgovernado, de mãos atadas, sem cinto de segurança, sem os salários e as benesses que todos esses indivíduos têm e dos quais não querem abrir mão, sempre em nome da “democracia” e do “espírito republicano”.
Ouvi estarrecido de um jornalista decano que não existem mudanças “sem sangue na calçada”. Pois bem, se não tivermos cuidado é isso mesmo que vamos ver: um bando de idiotas se batendo e se matando na rua em nome desse sistema podre e desgraçadamente sem rumo e sem futuro sem muito bem saber o porquê.
Não consigo me esquecer da frase de de Voltaire: “o povo é a canalha que deve ser guiada”. Muito pertinente!
Dilma, a presidente eleita, passou o ano inteiro de 2015 sem conversar com ninguém, não falou com o povo. Turrona! Desprezou os 54 milhões que acreditaram na sua campanha estelionatária. Pois bem, ela ganhou e, sendo eleita, é a presidente de fato e de direito, logo, é a minha presidente para o bem ou para o mal – e como tal – segundo a Constituição, só pode ser afastada via impeachment (que preconiza crime de responsabilidade), renúncia ou em caso de morte.
Destroçada de janeiro de 2015 a março de 2016, não fez nada. Prometeram que iam fazê-la sangrar e cumpriram. Apanhou como uma verdadeira Gení, até de Lula e do PT, que, diga-se de passagem, só resolveram parar de bater e “abraça-la” quando perceberam que a posição deles estava profundamente comprometida e que seus destinos estavam inexoravelmente ligados.
Agora, ela tenta espernear, fez um discurso forte ontem na nomeação de Lula-Ministro, fez um discurso forte hoje tentando alvejar o Juiz Moro. Foi bom, mas agora parece tudo inócuo. Dilma tinha que ter feito isso no início de 2015! Agora, o timing é outro, a temperatura é outra e parece que se de fato não arrancaram a voz da sua garganta, não se quer tanto ouvir o que ela tem a falar. Uma pena!
Os grampos – legais ou não – já foram vazados e ouvidos, já causaram todo estrago que poderiam. Lula, se assumir, não tem mais credibilidade. Dilma perdeu a sua “bala de prata”. Seu impeachment está em andamento, e vai andar rápido, comandado pelo Cunha, quadrilheiro e réu do STF.
E agora? O processo de impeachment parece irreversível, o STF está ferido em seu brio, e sabemos que nessa corporação a egolatria é grande. E pior, Dilma permitiu o mais frágil deles – o menino de Curitiba – acabar com ela. Não adianta ameaça-lo de prisão agora, porque quem está mais perto do xadrez hoje é ela e a sua turma.
O pior de tudo é que, sem ser seu partidário ou seu eleitor, acabo tendo que tomar o partido de Dilma, porque como ela mesma disse hoje: “hoje eu fui grampeada, amanhã poderá ser qualquer cidadão” e, lamento reconhecer, isso é a mais pura verdade.
Já que parece que a bala de prata falhou, quem sabe a Dilma ainda possa lançar mão de algumas estacas de madeira e de um poderoso cordão de alho para ver se ainda consegue se salvar dos vampiros que a rodeiam. Estou disposto a aguentar até 2018. Dilma, espero que você aprenda, espero que você consiga, espero que você mereça, para o bem de todos.
Crédito Imagem: Obra O Grito, de Edward Munch (Foto: Wikimedia Commons)
(Em 18/03/14)